Sinopse: Em "Yvy Pyte", Alberto Alvares e José Cury traçam um percurso cinematográfico entre terras
Guarani, desfazendo fronteiras físicas e simbólicas. O filme, entrelaçando sonhos, cantos e caminhos, revela a busca coletiva pelo tekoha, desafiando as imposições coloniais e revelando a ligação profunda entre espiritualidade, terra e liberdade. Palavras, cânticos e imagens aéreas costuram uma narrativa poética que desdobra a resistência Guarani e recria um mapa contracolonial.
Crítica: Este documentário discorre bastante a respeito de si próprio. Enquanto narrador em off, um dos dois diretores, Alberto Alvares, informa que está em busca de suas raízes, retornando às terras onde nasceu. Afirma o desejo de erguer uma homenagem ao povo guarani, que luta para permanecer em terras demarcadas e tomadas pelos brancos. Revela cada intenção, justifica as escolhas, anuncia os próximos passos (as cidades que pretende visitar). Torna-se uma espécie de guia ao espectador.
O procedimento típico das reportagens televisivas pode despertar receio quanto a Yvy Pyte — Coração da Terra. Afinal, as falas aparentam direcionar a um teor explicativo. Por um lado, o discurso se dirige de fato ao espectador branco, dotado de acesso mais amplo às salas de cinema. Alvares e José Cury visam transmitir conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas quanto à terra, à natureza e à organização social, que se pressupõe desconhecidas pelo público. Em se tratando de minorias sociais, atacadas e difamadas, o esforço se justifica.
Por outro lado, as falas logo se distanciam do mero teor didático. O autor não expõe somente fatos e dados, mas reflexões desprovidas de correspondência imediata nas cenas captadas. Em outras palavras, o som não repete o conteúdo das imagens, como de costume no formato audiovisual enlatado. Além disso, percebe-se a abertura para uma bela poesia da percepção política, intrinsecamente ligada à maneira guarani de enxergar o mundo.
Em consequência, explica-se que o Y, de “yvy” e tantas outras palavras guaranis, significa “água”, razão pela qual todos os elementos denominados por esta letra inicial estariam ligados aos rios, às cachoeiras, à chuva. Discute-se linguagem, formação de povos, resistência face à opressão. Evitando se converter num panfleto de denúncia contra a exploração dos brancos, o projeto permite que a política se insira em cada posicionamento, muito tranquilo e orgânico, durante as conversas. “Essas linhas aqui, os brancos chamam de fronteira”, declara o pai aos familiares, como auxílio de um mapa disposto sobre a terra.
Gradativamente, o documentário revela a intenção de visitar os “pensadores da fronteira”, em suas palavras. O principal interesse se encontra nas regiões de divisa, onde se criam entraves políticos, sociais, além de variações linguísticas. Por isso, viajam à Bolívia, ao Paraguai e à Argentina, para compreender como cada líder local reflete acerca do “yvy pyte”, o coração da terra, ou espaço sagrado aos habitantes originários. (Bruno Carmelo, site Meio Amargo)