Sinopse: Um grupo de moradores de uma pequena vila no sul do Brasil se reúnem para reivindicar melhoria no tratamento de esgoto da cidade e veem como solução a produção de um filme para angariar os custos da obra, visto que a prefeitura não tem orçamento para tal.
Crítica: “O cinema de Jorge Furtado talvez possa ser chamado de um cinema de engrenagem. Essa definição um bocado técnica se desdobra de forma múltipla ao longo de seus filmes porque a engrenagem pode ser algo simples, mas só aparentemente. Seus curtas, como Ilha das Flores e O Dia em que Dorival Encarou a Guarda talvez sejam mais explícitos neste aspecto. Eles mostram, através de um movimento aparentemente lógico, a maneira ilógica como o homem compõe uma engrenagem de produção ou de repressão – nos dois casos, perversas. O jogo com a narrativa, a primazia do roteiro, a decupagem exata, os desdobramentos lógicos das ações dos personagens, tudo isso é muito marcante na sua produção.
Saneamento Básico – O Filme, menos ácido e muito mais alegre, é também um filme sobre uma luta. Marina, moradora de Linha Cristal, se reúne à comunidade para exigir da prefeitura a construção de uma fossa, pois a poluição do rio tem causado danos à saúde pública local. A secretária da prefeitura educadamente lhes diz que no orçamento não existe mais verba disponível para saneamento básico, somente para a realização de um vídeo no valor de 10 mil reais. É ela mesmo que propõe que esta verba seja utilizada para a construção da fossa, contanto que um vídeo seja produzido. Começa a partir daí a verdadeira luta de Marina: dirigir um filme de ficção e cumprir os trâmites burocráticos do projeto sem ter a mínima idéia de como realizar nenhuma das duas funções.
E eis que mais uma vez estamos diante das engrenagens: de um lado os caminhos da liberação de verbas federais e de outro o funcionamento do fazer cinematográfico. O importante é que a máquina inevitavelmente estará lá e o mérito dos filmes do Furtado é exatamente o de operar artisticamente dentro desta máquina sem transformá-la em tema direto. Porque Saneamento Básico trata sim da do estado atual da produção nacional, as políticas públicas de democratização da cultura, a voga da “alfabetização” audiovisual e todo investimento financeiro que decorre desta campanha. Mas tratar disso diretamente talvez não seja tão interessante quanto agir cinematograficamente sobre isso. Não é à toa, portanto, que a prática do cinema vá sendo descoberta com a produção da ficção científica.
O envolvimento gradual da equipe agrupada em torno de Marina (composta pelo marido cenotécnico, a irmã-atriz Silene e o cunhado-câmera Fabrício, e posteriormente, o diretor interpretado por Lázaro Ramos) com o projeto e com o código é, de alguma forma, a brincadeira proposta por Furtado. A dúvida sobre o termo ficção, a lógica de um roteiro, o conceito de montagem; essas coisas simples, porém complicadas, são as portas de entrada do humor que permeia todo o filme. (Lila Foster, site Revista Cinética)