Sinopse: Zé é um homem negro de meia-idade que tem uma oficina de eletrodomésticos na periferia e está em busca de amor. Enquanto uma nova inquilina chega ao prédio de sua mãe, ele recorre a divindades para tentar resolver seus problemas amorosos e sua autoestima, enfrentando os traumas invisíveis do colonialismo para encontrar um novo tipo de liberdade.
Crítica: Remendo (2022), filme de Roger Ghil (GG) me parece um bom exemplo para pensar a “potência de expansão infinita” (FREITAS, 2018) presente nas obras do cinema negro brasileiro contemporâneo. Entre estéticas e narrativas que podem facilmente se encaixar tanto na comédia quanto na novela, o curta de Vila Velha encontra espaço para uma experimentação com a imagem e o som capaz de expandir as experiências em torno da obra e das ideias suscitadas por ela.
O filme apresenta os fragmentos do cotidiano de Zé (Elídio Netto), homem negro de meia idade que vive consertando e remendando objetos e eletrodomésticos – a bicicleta quebrada do início do curta, a geladeira da mulher que se mudou para o bairro e os sentimentos, seus e dos outros, que rondam aquela vida solar cheia de calor e cerveja.
Uma conversa em específico ajuda a compreender os possíveis traumas sobre os quais o filme se debruça. Sentados numa mesa de bar, iluminados pela luz roxa do ambiente simples, Zé escuta um caso contado pelo personagem interpretado por Markus Konká. O segundo, que trabalha no cemitério, narra a história de um homem que sempre vai depositar flores para o amado morto há mais de 10 anos. “Já tirei os ossos do homem dele todo, mas ele continua indo lá”, o coveiro conta, “homenagear o vazio”.
Enquanto elabora uma narrativa sobre cura sem necessariamente precisar nomear esse processo, Remendo propõe um universo coeso baseado na cacofonia. Mantém a ambivalência própria de uma história múltipla, com personagens que apresentam complexidade mesmo com pouco tempo de tela, mas costura discursos diversos como quem remenda uma colcha de retalhos. Saúda os seus mais velhos, discute liberdades sexual e de gênero, e reforça, pela imagem e pelo som, aquilo que a palavra sozinha simplesmente não seria capaz de entregar. (Gabriel Araújo, site Indeterminações)