Sinopse: Paloma é uma mulher trans que está decidida a realizar seu maior sonho: um casamento tradicional, na igreja, com seu namorado Zé. Ela trabalha duro como agricultora em uma plantação de mamão e está economizando para pagar a festa. A recusa do padre em aceitar seu pedido obriga Paloma a enfrentar a sociedade rural. Ela sofre violência, traição, preconceito e injustiça, mas nada abala sua fé.
Crítica: “Paloma é uma mulher transexual, negra, nordestina, agricultora e analfabeta. A personagem, maravilhosamente interpretada por Kika Sena, encarna uma série de “pecados” que a tornam um alvo de ódio em meio a uma grande parcela da sociedade brasileira. Mas Paloma, o filme de Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), dá espaço para o sonho da protagonista: se casar na igreja, de vestido, véu e grinalda.
Quem se lembrar de Uma Mulher Fantástica (Una mujer fantástica, Chile, 2017), de Sebastián Lelio, e O Pagador de Promessas (Brasil, 1962), de Anselmo Duarte, não estará indo muito longe. Mas, para além da questão transgênero e do conservadorismo religioso, Paloma fala de forma mais ampla sobre o Brasil.
Se o desejo de se casar tradicionalmente é um vislumbre do paraíso para a protagonista, é também um ponto sem retorno, a partir do qual sua vida se torna um inferno. O filme parece então se concentrar em um denso véu de hipocrisia que paira sobre a sociedade brasileira. Paloma é tolerada por seu marido e pela sociedade somente até o momento em que tenta ascender ao altar, um lugar que hoje (assim como há mil anos), não é permitido para ela.
É no momento que a protagonista decide desafiar o reacionarismo, e ocupar um lugar para além da subalternidade em que foi colocada, que as micro-agressões diárias tomam a forma de violência explícita. Marcelo Gomes, porém, filma todas as cenas com um respeito muito grande, nunca incorrendo na exploração da dor das personagens.
O diretor, aliás, encontra soluções visuais extremamente inteligentes para transmitir a opressão pela qual Paloma está passando. Em pelo menos duas cenas, a personagem é mostrada em tamanho minúsculo, rodeada por paisagens imensas, que revelam imageticamente a compressão que o ambiente exerce sobre a protagonista. Em um desses trechos, há ainda uma densa nuvem de poeira, que a encobre, apontando justamente para a névoa de perigo que envolve a personagem, estando ela casada na igreja ou não.
Paloma consegue colocar em tela um Brasil ao mesmo tempo muito maltratado, mas que não abandona o desejo. Uma personagem delicada, complexa e intensa, em um mundo brutal. Por baixo deste véu de hipocrisia reacionária, Paloma, com todos os seus adjetivos, segue sonhando.” (Lucas Oliveira, site Cinematório)