Maria Araújo Lima, mais conhecida como Pacarrete, nascida e criada em Russas, deixou quando nova a pequena cidade do interior do Ceará para perseguir seu sonho de ser bailarina na capital. Muitos anos se passaram, e agora está de volta.
Texto crítico:
“Ela varre a calçada como se cuidasse de todo o mundo. A pedra, as flores, a porta, a casa: aquele é o seu domínio. Abraçada na vassoura, dança como se estivesse no teatro municipal. É dona da própria arte, e dela não irá desistir. Mesmo que todos ao seu redor estejam contra si: os vizinhos que não lhe dão crédito, os conhecidos que a tratam como uma alienígena, o governo que não reconhece seu valor. Até sob seu teto é vista com desconfiança, seja pela irmã, que só lhe dá crédito por dela precisar, ou a empregada, que parece pensar que ‘melhor o maluco que está por perto e sob controle do que aquele longe que pode lhe dar dores de cabeça ainda maiores’. Mas quando nada mais parece fazer sentido, será dentro de si o único lugar onde poderá se refugiar em busca de algo perdido no tempo e no espaço. Ela é Pacarrete, e ninguém poderá acabar com seus sonhos. Pois o tamanho deles, apenas ela é quem determina.
“Grito tanto que ninguém me escuta”. Pacarrete não fala: projeta a própria voz sempre um tom acima. Ela não aparece, se manifesta. Não pede, ordena. O jeito particular de agir é na medida exata para criar um tipo como nenhum outro. Pacarrete é a nova Macabéa, uma Laurita envelhecida, a Querência que um dia ganhou a cidade. Marcélia Cartaxo, no papel da protagonista, mergulha de corpo e alma na pele de uma mulher sofrida, que deixou quem um dia foi para trás quando a família precisou, e agora se agarra com todas as forças na única oportunidade que vislumbra de reviver, nem que por apenas alguns instantes, a glória que já desfrutou. Uma das mais premiadas atrizes brasileiras, condecorada no Festival de Berlim logo em sua estreia, com A Hora da Estrela (1985), vencedora de quatro Candangos no Festival de Brasília, reconhecida nos festivais de Paulínia e Recife, agraciada com o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar nacional – por sua atuação em Madame Satã (2002) e consagrada pela crítica especializada com dois Prêmios Guarani, com Pacarrete entrega mais um desempenho singular, digno de ocupar um lugar de destaque dentro de uma filmografia tão iluminada. (Robledo Milani, site Papo de Cinema)