Sinopse: Rivelino, Sandra e Paulo são três amigos de infância e da periferia que se reencontram na cidade de Rio Branco em um contexto trágico de chegada das facções criminosas do sudeste do Brasil para a Amazônia
Crítica: “O começo de Noites Alienígenas mostra em detalhe a pele de uma cobra que parece uma tapeçaria. Mas é mesmo cobra. É enorme e gruda no pescoço de um rapaz, que levanta horrorizado. Depois, vemos um homem de meia-idade, o ator Chico Diaz, e um jovem que desenha. Não sabemos direito quem são e, menos ainda, quem é o cara que aparece dali a pouco, batendo no portão meio fora de si.
Outros personagens vão aparecendo. Saberemos que o sujeito alucinado que batia no portão é o mesmo da cobra e adquirimos a certeza de que a cobra era um sonho. Alguns cantam rap em roda. São na maioria negros. Há indígenas e brancas também. A atmosfera é de maconha — ou de drogas mais pesadas. Tudo parece entrar em cena meio aos trancos e barrancos. E que cena. Estamos ao que parece num drama de periferia clássico do cinema brasileiro, com jovens pobres tomados pela droga ou traficantes ao centro.
Mas é uma periferia diferente. Parece uma favela, mas bem particular. É mais um vilarejo afastado da cidade, com luzes que podemos ver ao longe, bem longe. A favela, ou comunidade, é separada da cidade por um rio, onde as indígenas se banham com seus filhos. É uma narrativa que opta por certa opacidade. Enquanto tentamos descobrir quem é quem, vamos na verdade nos enfronhando na vida, impasses, dores e perigos que assombram os personagens. Pois eles assombram.
Em suma, o melodrama de favela tradicional é solapado pela opacidade impressa à trama, com seus personagens errantes. Mesmo um momento dramático, como um grupo de gangsters disposto a matar um jovem, é solapado pela intervenção do fantástico —o alienígena do título. Com esses recursos é que garante a atenção do espectador.
O certo é que nessa mistura de floresta e deserto, nesse não lugar, o tráfico se infiltra entre brancos, negros, indígenas —esses alienígenas— com a mesma facilidade com que os povos originários são despossuídos de sua cultura e atirados em algum culto pentecostal. Assim, é mesmo impossível fugir o tempo todo do tradicional melodrama da favela, com que nós, classe média, purgamos nossas culpas pelo estado lamentável da vida desses que vivem à margem —até mesmo da cidade, que, presumo, seja Rio Branco, capital do Acre.
Por mais que se esquive, o filme de Carvalho chegará, ao final, ao melodrama. Talvez não houvesse mesmo outra solução. Que saída oferece a vida e a nossa sociedade para esses personagens tão caoticamente reais? O crime, o tráfico, as drogas, ou então o bom caminho, o do trabalho, bem possivelmente aquele que pode levá-los ao famoso estado análogo à escravidão." (Inácio Araújo, site Folha de São Paulo)