Simbolo-da-Audiodescricao
NOITES ALIENÍGENAS
Fotografia de uma cena do filme Noites Alienígenas, de Sérgio de Carvalho De noite, na janela de uma casa de paredes de madeira amarela, no parapeito branco, uma mulher branca, de cabelos loiros, ondulados, até próximo dos ombros tatuados. Ela usa um bustie tomara que cai, de listras azuis. O rosto dela é iluminado pelo isqueiro que usa para acender um cigarro. Do lado de fora, encostado próximo a janela, um homem negro, de cabelos crespos curtissimos, mais alto na parte de cima, ele est´sem camisa, tem tatuagens no peito e no ombro à esquerda. A luz do celular incide em seu rosto. Dentro da casa, pequenos quadros e um santuário com velas acesas.
Direção:
Sérgio de Carvalho
AC, 2022, FICÇÃO, 91 min, Cor, DCP/H264
Classificação indicativa:
NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 16 ANOS
Sinopse:

Sinopse: Rivelino, Sandra e Paulo são três amigos de infância e da periferia que se reencontram na cidade de Rio Branco em um contexto trágico de chegada das facções criminosas do sudeste do Brasil para a Amazônia

Crítica: “O começo de Noites Alienígenas mostra em detalhe a pele de uma cobra que parece uma tapeçaria. Mas é mesmo cobra. É enorme e gruda no pescoço de um rapaz, que levanta horrorizado. Depois, vemos um homem de meia-idade, o ator Chico Diaz, e um jovem que desenha. Não sabemos direito quem são e, menos ainda, quem é o cara que aparece dali a pouco, batendo no portão meio fora de si.

Outros personagens vão aparecendo. Saberemos que o sujeito alucinado que batia no portão é o mesmo da cobra e adquirimos a certeza de que a cobra era um sonho. Alguns cantam rap em roda. São na maioria negros. Há indígenas e brancas também. A atmosfera é de maconha — ou de drogas mais pesadas. Tudo parece entrar em cena meio aos trancos e barrancos. E que cena. Estamos ao que parece num drama de periferia clássico do cinema brasileiro, com jovens pobres tomados pela droga ou traficantes ao centro.

Mas é uma periferia diferente. Parece uma favela, mas bem particular. É mais um vilarejo afastado da cidade, com luzes que podemos ver ao longe, bem longe. A favela, ou comunidade, é separada da cidade por um rio, onde as indígenas se banham com seus filhos. É uma narrativa que opta por certa opacidade. Enquanto tentamos descobrir quem é quem, vamos na verdade nos enfronhando na vida, impasses, dores e perigos que assombram os personagens. Pois eles assombram.

Em suma, o melodrama de favela tradicional é solapado pela opacidade impressa à trama, com seus personagens errantes. Mesmo um momento dramático, como um grupo de gangsters disposto a matar um jovem, é solapado pela intervenção do fantástico —o alienígena do título. Com esses recursos é que garante a atenção do espectador.

O certo é que nessa mistura de floresta e deserto, nesse não lugar, o tráfico se infiltra entre brancos, negros, indígenas —esses alienígenas— com a mesma facilidade com que os povos originários são despossuídos de sua cultura e atirados em algum culto pentecostal. Assim, é mesmo impossível fugir o tempo todo do tradicional melodrama da favela, com que nós, classe média, purgamos nossas culpas pelo estado lamentável da vida desses que vivem à margem —até mesmo da cidade, que, presumo, seja Rio Branco, capital do Acre.

Por mais que se esquive, o filme de Carvalho chegará, ao final, ao melodrama. Talvez não houvesse mesmo outra solução. Que saída oferece a vida e a nossa sociedade para esses personagens tão caoticamente reais? O crime, o tráfico, as drogas, ou então o bom caminho, o do trabalho, bem possivelmente aquele que pode levá-los ao famoso estado análogo à escravidão." (Inácio Araújo, site Folha de São Paulo)

Pular para o conteúdo