Simbolo-da-Audiodescricao
MEDUSA
Fotografia de uma cena do filme. Numa rua, à noite, diversas mulheres correm em nossa direção gritando. As do meio usam vestidos azuis e sandálias. Uma delas está com as mãos na cabeça. Muitas delas têm cabelos lisos, abaixo do ombro. Uma luz noturna é irradiada do fundo para frente.
Direção:
Anita Rocha da Silveira
SP, 2023, FICÇÃO, 127 min., Cor, DCP/H264
Classificação indicativa:
NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 16 ANOS
Sinopse:

Há muitos e muitos anos, a bela Medusa foi severamente punida por Atena, a deusa virgem, por não ser mais pura. Hoje, a jovem Mariana pertence a um mundo em que deve se esforçar ao máximo para manter a aparência de uma mulher perfeita. Para não caírem em tentação, ela e suas amigas se esforçam ao máximo para controlar tudo e todas à sua volta. Porém, há de chegar o dia em que a vontade de gritar será mais forte.

Crítica: Às vezes, surgem alguns filmes que retratam tão bem a época em que vivemos, que se tornam um marco. No futuro, se tornarão uma espécie de portal ou porta-voz do tempo, um de volta para o passado que mostrará como as pessoas pensavam em tal época, e também os perigos de certos pensamentos datados que, claro, sempre voltam, mesmo que revisitados. Infelizmente, raras são as vezes que o grande público acredita que filmes capazes de tais feitos sejam filmes de terror. Não por conta da qualidade do gênero, que é ótima e tem ficado cada vez mais densa, mas talvez por muita gente ainda ter um pequeno receio em acessar o grotesco para pensar no pior de si e da sociedade em que vive.

O filme Medusa é uma distopia (será?) que imagina um Brasil em que o Estado laico não é mais válido. Junto com isso, traz a história de Mariana (Mari Oliveira) e de outras “Preciosas do Altar”, mulheres recatadas que, por conta da religião, caçam outras mulheres, desde que estas sejam sem preconceitos e sexualmente livres, as espancam e filmam a agressão até que elas aceitem Jesus. Dizem que tudo teria começado com Melissa (Bruna Linzmeyer). “A mulher mais devassa que o mundo já viu”, Melissa teria sido a primeira a passar por um dos “corretivos” de uma das “Preciosas” e, depois disso, teria tido o paradeiro desconhecido. Ainda assim, as meninas, claro, são fascinadas para saber o que realmente teria acontecido com ela.

Depois de alisar os cabelos quando aceitas pela religião (uma referência à Medusa com os cabelos de cobra e os cabelos das meninas que se moldam e ficam cada vez mais cacheados à medida que elas se tornam cada vez mais elas mesmas), elas começam numa busca do que julgam ser bom, de uma perfeição, devoção ao pastor, submissão a Deus e, claro, aos homens do grupo Vigilantes de Sião, militares com correspondentes a elas na versão masculina e que algumas das meninas namoram. Mas, ironicamente, o que faz Mariana ir atrás de uma versão diferente de si é uma violência que ela passa ao tentar bater em uma vítima, e que a impede de trabalhar com estética, como fazia anteriormente.

Medusa, o filme, não é óbvio nem mesmo na referência que faz ao mito. A mulher que transforma homens em pedra com o olhar dá lugar a outros pontos importantes da figura mitológica: vaidade, a rivalidade que Atena tinha por Medusa, por conta de sua beleza, e o abuso sofrido por Medusa, estuprada por Poseidon, mas julgada como culpada por isso.

Com um humor sarcástico como o trecho que ensina “10 maneiras de tirar uma selfie para a glória de Deus”, o filme também é perturbador. A diretora usa muito as cores, principalmente o verde (mais uma referência à Medusa), para trazer transtorno e desconforto ao espectador. Anita Rocha da Silveira é uma esteta e me lembrou do pintor Edward Hopper nos seus planos de câmera, muitas vezes usando o cenário como personagem.

Outros destaques ficam por conta do ralo, que consome o verde de máscaras de beleza, o vermelho do sangue e as cores de maquiagem que escondem olhos roxos, mas que também difundem uma música sobre amor numa noite estranha na Casa de Cuidados onde Mariana trabalha com pacientes em coma. Inclusive, o coma acredito ser uma representação de como a sociedade está: viva, porém desacordada. (Paula Febbe, site Omelete)

Pular para o conteúdo