João, um menino de 13 anos que tem uma relação partida com o pai e que sonha em deixar a pequena cidade onde vive, no sertão da Bahia. Quando o circo chega ao povoado, João faz amizade com um palhaço, que o encoraja a enfrentar seus medos. A obra lança luz sobre um Brasil atual, revelando um universo de masculinidade e preconceito onde é urgente se reinventar.
Crítica: O subdesenvolvimento brasileiro tenta impedir o sonho do povo, seca as possibilidades e finda em dor as tentativas da realidade. O materialismo constrói a História de dependência e opressão de um país que falhou em seu processo, um projeto natimorto. Filho de Boi de Haroldo Borges é um filme que vai de encontro às faces de como o lúdico é uma forma de tentar mascarar ou mesmo performar o vazio de seu protagonista.
De um lado a opressão social, do outro o pai que tenta prepará-lo para o mundo (com repressão e ausência, causa de um luto jamais superado), o sonho impossível e a cobrança do que é ser “homem”, ter um “emprego” de verdade, “deixar de ser menino”. Os links possíveis com Jonas e o Circo Sem Lona são inúmeros, não à toa o roteiro também leva o nome de Paula Gomes e para a felicidade dos brasileiros, Jonas, está no longa.
Ainda que isso signifique que a ficção se torna uma via menos amarga do que a realidade do país. É o caso de João, que é pressionado em apresentação ao confronto fatalista da realidade, memória e trauma. O longa não poupa uma interpretação contundente, onde o grau de esperança é o arbítrio do retorno, do abandono. O livre arbítrio cristão é uma miragem burguesa que não existe no subdesenvolvimento. E o próprio título do filme, Filho de Boi, é a chaga que o protagonista carrega durante todo o processo dramático, mas como uma marca que o materialismo livra o fardo do calvário imposto por uma sociedade que ironiza a realidade.
E nessa faca de dois gumes que o filme se articula, reconhecendo a dor como via única onde o pedágio é encarar a realidade, mas com a possibilidade (ir)real de uma fuga possível a partir do tom lúdico de ser palhaço. A superação aqui é encarar com dignidade. Orgulho é luxo. Ser criança é um sonho distante que tudo ao redor tenta minar para uma opressão, em camadas diversas.
A linguagem acompanha esse processo dialético entre essas duas frentes de uma encenação, transitando entre uma realidade direta, concreta, jamais sacramentada e uma proposta de poesia cruel, onde a câmera, a fotografia e a montagem constroem um extraplano da realidade. E aqui, reconhecendo a força da geografia como palco dessa estrutura, os planos gerais que mostram o ambiente, os cortes rápidos para o circo que constrói uma base material que não se diferencia do restante, mas permite, ao menos, que por alguns momentos, possamos esquecer que a crueldade de um processo falho e dependente do país da ditadura burguesa, ainda reina. (Vitor Velloso, site Vertentes do Cinema)