Brasil, 2027. Uma devota religiosa usa seu ofício num cartório para tentar dificultar os divórcios. Enquanto espera por um sinal divino em reconhecimento aos seus esforços é confrontada com uma crise no seu casamento que termina por deixá-la ainda mais perto de Deus.
Crítica: O que é um corpo político? Na capa que escolheu para ilustrar o seu mais célebre livro, Thomas Hobbes realça uma multidão com rostos apagados que compõem uma figura humana, superior, enorme. Coroada, ela segura uma espada com a mão direita, simbolizando a segurança, e, na mão esquerda, o cetro, remetendo à soberania, essa alma artificial que anima o conjunto do corpo. A figura da capa, para Hobbes, é o Leviatã, o Estado, um homem artificial destinado a reger seus súditos. O corpo político, nesse metáfora visual, adquire traços sublimes, pois, ao sair do “estado da natureza”, o indivíduo seria transcendido por um tecido social, coeso, que lhe ultrapassa.
De forma provocadora, o mais recente filme de Gabriel Mascaro possui o corpo no centro da sua trama, e atualiza as formulações de Hobbes. Um corpo genuíno, que bem ilustra essas aproximações entre teologia e biopolíticas com feixes contemporâneos. Partindo de um retrato das comunidades evangélicas no Brasil, Mascaro vislumbra um futuro político que inaugura um peculiar bem comum. Sua trama mostra uma religião sequiosa para domar o corpo estatal, e coroar-se, como se fosse um novo Leviatã.
O Brasil de 2027, na ficção de Mascaro, é uma feliz distopia, decorada, nas suas festas, por rosas e lilases. Acrescente uma pitada de um Estado autoritário que tenha no amor o seu principal mote – um amor aliado à fé. À primeira vista, a ideia de uma futura “sociedade do amor” soa tentadora, prima de um paraíso com feições terrenas. Quem, afinal, não crê no amor? A trajetória de Joana (Dira Paes), contudo, mostrará vários ângulos de dominações dos corpos, mentes e biografias que apostam na força desse nobre sentimento como pura transcendência. Nesse país de um futuro próximo o carnaval foi abolido e paulatinamente trocado pela festa do “amor supremo”.
Os atos de Joana rimam intimidade com burocracia, e aglutinam um autoritarismo cheio de cordialidades e jeitinhos à brasileira. Nos seus momentos de dúvida, Joana estaciona seu carro num drive-thru para se confessar, receber conselhos, cantar hinos. Ela quer, ela precisa engravidar. O rebento, no entanto, nunca vem. Pacata, inteiramente dedicada à fé, Joana leva às últimas consequências sua crença no amor supremo, o qual, paradoxalmente, será o principal motivo da sua queda.
Divino Amor propicia uma importante síntese dos retratos de evangélicos no cinema brasileiro. Desde o período da retomada, no início dos anos 2000, os evangélicos foram constantemente representados de forma estereotipada, sugerindo um perigoso maniqueísmo entre sua moralidade e sua subversão. (Pablo Gonçalo, site Revista Cult)