Sinopse: Cinema Novo é um ensaio poético que investiga um dos principais movimentos cinematográficos latino-americanos, através do pensamento e fragmentos de filmes dos seus principais autores. O filme mergulha na aventura da criação de uma geração de cineastas que inventou, logo no início da década de 1960, uma nova
forma de fazer cinema no Brasil - a partir de uma atitude política que juntava arte e revolução e que tinha como desejo um cinema que tomasse as ruas e fosse ao encontro do povo brasileiro.
Crítica: Na sua quinta longa-metragem, Eryk Rocha relaciona-se com a própria ascendência e constrói um mosaico afectivo que dá voz aos intervenientes do Cinema Novo Brasileiro. Estamos perante um documentário e, simultaneamente, perante um muito livre filme-ensaio que, solto de intenções explicativas, cruza testemunhos em voice-over com excertos de 130 títulos indispensáveis do movimento. A velocidade deste encadeamento rítmico dá-nos a sentir hoje a energia do próprio Cinema Novo. Sucessivamente, jovens figuras rasgam o ecrã a correr, emblemas da precursora vontade dos protagonistas do Cinema Novo de agitar as consciências de um país que, nas décadas de 50 e 60, construía, na profusão das várias expressões artísticas, um espelho para a realidade do seu contexto social e económico.
A cisão inaugurada pelo Cinema Novo tem o experimentalismo de um laboratório progressivo, que tanto absorve rapidamente as influências culturais exteriores, como funda uma liberdade multiforme: algures entre o documentário e a ficção, entre o sagrado e o profano, entre o imaginário e o real. É o cinema brasileiro de hoje que aqui se examina: onde está esta energia interventiva face à urgência da realidade presente?
Apesar do referente historicamente definido, Eryk Rocha revitaliza o passado com um exercício aberto que reflecte transversalmente sobre a própria natureza da cinefilia contemporânea. Apropriando-se de imagens que não legenda, vinca a pessoalidade do seu gesto ao organizar visualmente blocos que, para si, definem pilares essenciais da identidade do Cinema Novo. O resultado é um retrato de conjunto de um grupo de cinéfilos que, tão distintos entre si, se uniram para viabilizar esforços e meios, encarando as possibilidades do cinema enquanto veículo de um compromisso ideológico com fundações convergentes.
Descentrando-se do habitual foco sobre os realizadores, Eryk Rocha desmonta o dinamismo de uma estrutura colectiva, particularmente organizada da produção à distribuição. Se o arquivo faz ressurgir a voz do seu pai, Glauber Rocha, ícone maior do movimento, mapeamo-nos entre outros nomes indispensáveis: Nelson Pereira dos Santos, Carlos ‘Cacá’ Diegues, Joaquim Pedro, Gustavo Dahl, Walter Lima, Maurício Copovilla, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, Roberto Farias etc. E destes ‘‘fordianos e rosselinianos’’, destes acérrimos ‘‘de Eisenstein e da Nouvelle Vague’’ ouvimos acerca da agilidade de um cinema que, feito por amigos, despertou o panorama internacional para o cinema brasileiro.
Perseguindo um princípio de verdade são, apesar do vanguardismo formal, filmes que interpelam no imediato e que, em conformidade com os mínimos meios envolvidos, se relacionam com as faltas que denunciam a um país sobre o qual desejam agir. Não podemos, em 2016, prosseguir na enérgica simplicidade do lema ‘‘uma câmara na mão e uma ideia na cabeça’’? Com um claro sentido de risco, nesta reflexão acerca do legado do Cinema Novo na história do cinema brasileiro, Eryk Rocha enfrenta o mesmo dilema político dos cineastas que retrata e coloca-se nessa fenda, problematizada pelo filme, onde as formas revolucionárias competem com a eficácia da comunicação. (Sabrina Marques, site À Pala de Walsh)