Sinopse: Alice (Anne Celestino) é uma adolescente trans cheia de carisma que investe seu tempo fazendo vídeos para o Youtube. Um dia, seu pai Jean (Emmanuel Rosset) é transferido pela sua empresa no Recife para Araucárias do Sul, e eles precisam se mudar. Na nova escola, Alice enfrenta preconceitos ao se deparar com uma sociedade mais retrógrada do que estava acostumada. O desejo da menina é dar seu primeiro beijo mas, antes de tudo, quer o direito de ser quem ela é.
Crítica: "A simplicidade pode ser muito subestimada no cinema. Filmes que não recorrem a estratégias mirabolantes de narrativa, ou a subtextos que exijam maior esforço dos espectadores, tendem a ser vistos como “menores” (assim mesmo entre aspas), mais palatáveis, talvez por resultarem menos desafiadores do ponto de vista da crítica. Dentro dessa lógica, o premiado Alice Júnior, novo longa-metragem do diretor paranaense Gil Baroni, seria, na superfície, uma obra corriqueira, quase descartável. Mas não é esse o caso aqui. Muito pelo contrário.
Em um roteiro que dialoga inteligentemente com paradigmas consagrados do cinema destinado ao público adolescente, a protagonista, Alice (vivida pela atriz pernambucana Anne Celestino), é uma garota como muitas. Passa parte significativa de seus dias na Internet, sofre por conta de um amor platônico e nunca deu um beijo na boca. Ela também enfrenta questões de autoestima, de aceitação da própria imagem e sofre bullying, problemas até certo ponto recorrentes nesta faixa etária. A diferença está no fato de que essas dificuldades estão relacionadas à sua identidade de gênero: ela é trans.
Um dos traços que fazem de Alice Júnior um filme tão especial é que o bem-amarrado roteiro de Luiz Bertazzo e Adriel Nizer Silva e a direção de Baroni trabalham com a transexualidade, tema central do filme, de uma perspectiva não apenas humanista. Não se percebe um olhar exótico, que a superdimensione. A opção por uma (ótima) jovem atriz trans para viver o papel-título, nesse sentido, faz toda a diferença. Em momento algum da trama, mesmo naqueles em que Alice é vítima de preconceito e violência, ela é tratada como vítima.
Com um roteiro bem escrito nas mãos, Baroni consegue brincar com as fórmulas narrativas da comédia adolescente, não as rejeitando, e sim as subvertendo sutilmente, para acomodar de forma orgânica uma personagem fora da curva como Alice. A crueldade da qual ela é vítima, por mais que seja até certo ponto previsível, choca, revolta, porque o filme consegue nos fazer empatizar com a protagonista, uma personagem tridimensional, complexa e nada passiva diante das circunstâncias. Ela sofre, porém reage.
Outro ponto positivo do filme é a recusa do maniqueísmo, bastante tentador em alguns pontos da narrativa. Araucárias do Sul, que no início parece ter espaço apenas para a intolerância, aos poucos se revela também diversa, plural. Há, na cidade, espaço para a aceitação e Alice e Jean, eventualmente, encontram afetos verdadeiros, talvez a discussão mais profunda e tocante levantada pelo longa." (Paulo Camargo, site Escotilha)